segunda-feira, 27 de maio de 2013

Conto de falhas


« Ama o que tens antes que a vida te ensine a amar o que tinhas (...)»
a chuva batia sobre a janela do meu quarto, clara e silenciosa. Parecia trazer dentro dela, algo que há muito estaria por desvendar e relembrar. Eu encontrava-me ali, deitada sobre o meu tapete cinzento, vagueando nas minhas tão grandes e ao mesmo tempo pequenas, memórias. (...)
Tinha acabado de sair do banho. Dirigi-me ao quarto para vestir a minha camisa de dormir e quando, por mero acaso olho para a janela, algo de diferente despertou em mim. Foi então que, depois de me vestir, ainda com o cabelo embrulhado à toalha, pus os fones e me deitei para a escutar e pensar em tudo o que a minha infância me ensinou e me ofereceu até agora.
Recordei, com muita paixão e saudade, aqueles primeiro passos, aquelas primeiras palavras: "mamã, papá". Bem, naquela altura aquilo chegava. Estavam ali sempre para mim. Faziam de mim uma princesa, no meio do seu castelo, como sempre o fazem. Recordei também aquelas primeiras quedas ao tentar andar sozinha, de bicicleta, sem aquelas pequenas e irritantes, rodinhas amarelas. E lá ia o meu pai atrás, coitado, sempre a proteger-me e segurar-me para que não caísse. Mas eu ainda assim insistia em poder fazer tudo aquilo que as pessoas crescidas faziam, mesmo que não corresse bem e por isso passava o dia a dizer "Olha pa mim mamã, já tou crescida!". Ela ria-se que nem uma perdida, porque tinha noção do disparate que eu soletrava. Mas no meio de todas aquelas dificuldades todas,o que mais me frustrava, era o facto de não conseguir lavar as minhas pequenas e rosadas mãos, devido aos meus míseros centímetros que não me permitiam chegar ao lavatório. Achava isso uma discriminação para com os pequenitos, como eu. Tinha sempre de andar com o meu banquinho de madeira atrás ou então a minha mãe a pegar-me ao colo. Pois, eu era extremamente baixa, aliás, sempre fui. Mas lá no fundo, esse nunca foi o meu maior problema. As pessoas achavam-me graça e eu divertia-me com isso. Contudo, a ideia de ser «mais crescida» sempre me acompanhara. E agora? Agora dava tudo para voltar àquele tempo. Era tão diferente, tão mágico, tão perfeito. Mas a vida segue e nós crescemos e apercebemos-nos que à medida que o tempo passa, a vida dificulta. E apercebemos-nos, sobretudo, que a vida não é o conto de fadas que as nossas mães nos contavam sobre as princesas quando éramos pequeninos, mas sim um conto de falhas em que casa um luta por si.


E fazia hoje dois anos e um mês, melhor amigo.